Por que o pornô ainda é um tabu para as mulheres?

Por Raquel Medeiros

Numa noite despretensiosa, depois de um dia estressante no trabalho, ela abre o notebook e procura por filmes eróticos na internet. Essa cena faz parte da rotina de 94,7% das leitoras de WH, que afirmam adorar filmes eróticos, sendo que 61,3% assistem ao menos uma vez por semana. Uma pesquisa dos sites Pornhub e Redtube mostra que, junto às Filipinas, somos o país onde as mulheres mais consomem esse tipo de conteúdo. E a Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sensual constatou que 80% do público consumidor de produtos eróticos (incluindo filmes) no Brasil é formado por nós, mulheres.

Não apenas gostamos de pornografia, como temos aumentado o interesse pela nossa própria sexualidade a cada dia, como observa a fundadora e diretora da produtora Lust Cinema, Erika Lust. “Há um crescimento constante. As mulheres se sentem mais confiantes com sua sexualidade e mais livres e capacitadas, por isso estão mais abertas à ideia de se divertir assistindo pornô. Isso ainda é um tabu para se dizer em voz alta, mas acredito que – mais cedo ou mais tarde – será visto como normal”, disse.

Tabu?

Segundo a pesquisa Mosaico 2.0, da psiquiatra Carmita Abdo, fundadora e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex), da Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo, o sexo é visto como algo importante para a grande maioria das pessoas, independentemente do gênero: 96,2% dos homens e 94,5% das mulheres entrevistadas acreditam que a prática é essencial na vida.

Mas, se o ato é tão importante para ambos os gêneros, por que será que em pleno século XXI o pornô ainda é visto como tabu para as mulheres? Para Carmita, as gerações mais novas são mais desinibidas que as anteriores e ficam mais à vontade para falar e viver a sexualidade, sem se preocuparem em como serão interpretadas. “Mas a maioria ainda não quer mostrar que está muito à vontade com o sexo, já que em nossa sociedade ainda existem ‘dois pesos e duas medidas’ em relação aos gêneros”, afirma.

Mas é claro que isso não é uma regra. A empresária de São Paulo Lygia Alvarenga, 48 anos, não tem preconceito em afirmar que gosta de assistir a filmes do gênero. Ela costuma vê-los em casa, depois do trabalho, seja acompanhada do marido ou sozinha. Porém, não é sempre que consegue encontrar opções atraentes. “Costumo procurá-los em sites da internet. Mas, na minha opinião, filme pornô deveria ser mais erótico do que apenas sexual. Talvez seja por isso que franquias como a do Cinquenta Tons de Cinza fazem tanto sucesso entre mulheres.”

Ela não está sozinha. Segundo nossa pesquisa, mais de 77% das leitoras de WH também procuram esse conteúdo online, mas menos de 7% realmente se identificam com as mulheres representadas nos filmes típicos do gênero.

Pornô para nós

Sejamos francas: não é fácil encontrar filmes pornográficos que não mostrem a mulher como objeto de submissão ou não a apresentem de forma quase caricata, chegando ao orgasmo em apenas 10 segundos. E isso não convence – e muito menos empolga – a maior parte da ala feminina.

“As poucas vezes em que assisti, achei tudo muito robotizado: ela entra no recinto, olha para o cara e eles já começam a transar. Não é que eu acredite que só exista sexo com romance, mas alguma interação tem que haver”, afirma a especialista em marketing Tamara C., de São Paulo, que preferiu não ter o sobrenome revelado. “Além disso, me sinto mais atraída por filmes que não necessariamente mostram o ato em close, mas que são mais focados em nos instigar a ideia, que estimulam a usar uma gravata, por exemplo, para amarrar o pulso”, conclui.

A explicação pode estar no fato de o cérebro femino ser, usualmente, mais criativo que o do homem, que necessita de imagem explícita. Filmes, portanto, podem ser mais interessantes para a ala feminina quando acionam esse lado criativo. “Além disso, muitos pornôs típicos mostram a mulher em condições nas quais a espectadora não quer se ver. Ela não se identifica. Esse tipo de enredo voltado ao público masculino acaba não tendo o mesmo apelo para uma mulher”, explica Carla Zeglio, diretora e psicoterapeuta sexual do Instituto Paulista de Sexualidade (InPaSex), em São Paulo.

A razão? “A maioria desses filmes é produzido por homens para homens”, explica Carla, “e eles serão consumidos por aqueles que desejam mulheres com aquelas qualidades e comportamentos sexuais”. E isso é prejudicial pois, sendo o pornô o primeiro contato sexual de muitas de nós – antes mesmo que a própria prática do ato –, isso acaba moldando a maneira como acreditamos que sexo deve ser, incluindo a ideia de que devemos pensar antes no prazer do parceiro do que no nosso.

Na pornografia convencional o foco está no prazer dos homens e as mulheres quase sempre estão lá para satisfazê-los – não é à toa que o grand finale desses filmes é geralmente o orgasmo masculino. “Essa é a razão pela qual há menos espectadores do sexo feminino nessa indústria: não queremos lidar com a pornografia popular que constantemente releva nosso prazer”, conclui Erika.

É essa lacuna que diversas produtoras com foco no sexo mais realista – e mais humano – para as mulheres estão começando a preencher. Entre elas, estão a Joy Bear, Dane Jones e Lust Cinema.

Erika afirma que os filmes dessa última não são exclusivos para a ala feminina, mas sim pensados para serem menos “insípidos e vulgares”, segundo ela, o que acaba atraindo muitas mulheres. “Fantasias e sexualidade não são definidas por gênero. A ideia de que as mulheres precisam de rosas para se excitar ou que diretoras de filmes eróticos só produzem sexo soft é absurda. Mas a diferença é que eu ainda enquadro as histórias de uma maneira que não seja pejorativa para o sexo feminino, e tenho sempre uma narrativa nos meus filmes, um contexto”, explica Erika.

Na prática

Ainda não está convencida de que o pornô é, sim, coisa para mulheres? Pois saiba que, no próprio InPaSex, Carla conta que muitos dos tratamentos psicoterápicos para problemas e queixas sexuais femininos incluem a indicação de pornô.

Além dos filmes para prazer, existem também os com qualidade erótica mas de cunho educacional. Esses são ainda mais utilizados nos processos de terapia sexual. “As últimas décadas trouxeram uma maior disseminação e acesso a filmes eróticos, o que é ótimo, já que temos mais pessoas buscando neles conhecimento sexual, seja por curiosidade ou como fonte de estimulação”, afirma Carla.

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